Os vizinhos mostram sua aprovação à política externa de Lula
O presidente do Paraguai, Nicanor Duarte, foi eleito pelo partido conservador (Colorado) de seu país. No ano passado, celebrou um polêmico acordo militar com os EUA que ocasionou queixas formais dos chanceleres do Brasil e da Argentina. Confirmada a reeleição de Lula, porém, foi entusiástico: É uma grande vitória. Creio que é um fato importante para nosso país, para a continuidade dos processos que estamos levando adiante no Mercosul.
O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, está na outra ponta do espectro político sul-americano, mas concorda: Saudamos e felicitamos o povo do Brasil por essa sábia decisão. O presidente do Peru, Alan García, trocou acusações e insultos com Chávez durante sua campanha eleitoral, mas tem com ele um ponto em comum: Lula da Silva assegura a modernidade na região. Evo Morales, apesar dos atritos em torno da nacionalização do gás e das refinarias da Petrobras, foi o primeiro chefe de Estado a se manifestar: O triunfo do companheiro Lula ratifica a linha de mudança que se iniciou nos últimos anos e mostra mais uma vez que os povos seguem lutando por avanços para resolver os grandes problemas das maiorias marginalizadas do nosso continente.
O Departamento de Estado, em Washington, emitiu um comunicado mal-humorado, que citou escândalos recentes de corrupção e lembrou que o partido de esquerda de Lula não conseguiu ganhar a maioria. Já o presidente argentino deixou clara sua preferência desde junho: Não tenho nenhuma dúvida de que a integração se consolidará no segundo período de Lula, que irá muito bem nas eleições. Pelo menos assim esperamos a maioria dos argentinos.
Segundo o jornal argentino Clarín, os empresários argentinos respiraram aliviados. Para o concorrente Página/12, os aliados do Mercosul estão em festa. Segundo Fabián Calle, analista do Conselho Argentino para as Relações Internacionais, com Alckmin, não seria muito diferente, mas primeiro teria de ser convencido do projeto regional. Uma zona de livre-comércio com os EUA é materialmente inviável para a Argentina e o Brasil. Lula já está convencido.
Como mostra a convergência de gregos e troianos na América do Sul, não se trata apenas da satisfação de líderes de centro-esquerda com a derrota do candidato mais próximo do neoliberalismo, mas também confiança na continuação de uma política externa relativamente independente e de integração regional que cria oportunidades de desenvolvimento e melhora o poder de barganha de cada país ante as grandes potências.
Na opinião de alguns analistas brasileiros, todos eles estariam errados. Na edição de 25 de outubro, uma matéria no jornal Valor afirmou que Lula preparava uma inflexão na política externa. Seus jornalistas teriam ouvido de um ministro próximo de Lula que Samuel Pinheiro Guimarães e Marco Aurélio Garcia, articuladores da política externa do primeiro mandato, seriam despachados para exílios dourados em embaixadas na Argentina e na França. Segundo supostos interlocutores do presidente, o governo pretenderia voltar-se para os países ricos, especialmente os EUA, e falar mais duro com vizinhos como a Venezuela e a Bolívia. Haveria uma avaliação no governo de que a atual política teria levado o Brasil a perder todas as disputas por cargos importantes em órgãos multilaterais, azedar relações com vizinhos, distanciar-se dos ricos, criar alianças improdutivas com emergentes e isolar-se das principais negociações comerciais.
Ao site Carta Maior, Valter Pomar, secretário de Relações Internacionais do PT, qualificou a matéria de mentirosa e garantiu que a política de integração sul-americana será aprofundada. Kjeld Jacobsen, também dessa área do partido, acredita que o jornal fez uma matéria sobre a avaliação de pessoas ligadas ao Itamaraty que compartilham o ponto de vista do PSDB e do candidato derrotado, como o ex-embaixador nos EUA Rubens Barbosa.
Os fatos não respaldam uma avaliação da atuação do Itamaraty tão negativa quanto a do jornal. Nem todos os objetivos da política externa foram atingidos, mas não há como dizer que o país se isolou ante seu sucesso ao articular o G-20, que conseguiu inviabilizar na OMC o jogo de cartas marcadas a favor das grandes potências, ou se unir a vizinhos contra a imposição de uma Alca desastrosa aos interesses brasileiros e sul-americanos.
Os exportadores brasileiros ganharam espaço. De 2002 a 2006, o comércio global de mercadorias tem crescido 73% em termos nominais. As exportações brasileiras não se limitaram a acompanhar o crescimento da demanda externa: cresceram globalmente 131% e passaram de 0,97% para 1,36% do comércio global. Graças, principalmente, ao valor das exportações destinadas a países periféricos, que quase triplicou cresceu 197%.
De 2002 a 2006, no período janeiro-setembro, cresceram 257% as vendas para a China nesses quatro anos, 241% para a África, 222% para a América Latina. As vendas de manufaturados brasileiros na América Latina passaram de 26% para 36% das vendas externas da indústria brasileira. Relações improdutivas?
E os EUA, mesmo que quisessem, pouco teriam a oferecer ao Brasil durante o próximo mandato. Bush júnior está prestes a perder a maioria no Congresso para os democratas, defensores tradicionais do protecionismo. Em julho de 2007 vence a autorização à Casa Branca para fechar acordos comerciais sem interferência do Legislativo ou seja, o Trade Act de 2002, conhecido como fast track. Qualquer avanço substancial terá de esperar pelo próximo ocupante da Casa Branca e não aconteceria antes do fim do segundo mandato de Lula.
Seja como for, os primeiros passos da política externa brasileira nos dias seguintes não foram na direção anunciada pelo jornal. O Brasil continuou a apoiar a Venezuela na queda-de-braço com a Guatemala por uma vaga no Conselho de Segurança, até sair o acordo em torno do Panamá. Depois de uma semana tensa, durante a qual Evo Morales chegou a falar em ocupação militar das instalações de empresas que se recusassem a um acordo, fechou-se à zero hora do domingo, dia da eleição no Brasil um entendimento similar aos aceitos pelas outras nove petroleiras na Bolívia e que permitiu a ambas as partes se dizerem satisfeitas.
Em vez de uma taxa fixa de 82%, ficando o restante para cobrir despesas e remunerar investimentos, a Petrobras pagará 50% fixos, terá direito a uma parcela para cobrir despesas e remunerar investimentos e partilhará o lucro restante com a YPFB. São termos análogos aos vigentes em Angola, Nigéria e Líbia.
Segundo o ministro dos hidrocarbonetos, Carlos Villegas, a Bolívia ficará inicialmente com 50% da receita e a porcentagem vai aumentando para até 84% ao longo do contrato, numa média de 70%. As empresas ficarão com 30%. Fica pendente a desapropriação do controle das duas refinarias da estatal brasileira na Bolívia, adquiridas na privatização de 1999 por 102 milhões de dólares, cuja avaliação está para ser contratada pela YPFB. Evo sugeriu, de brincadeira, que o Brasil as presenteie à Bolívia, mas deve saber que, mesmo sendo um valor pequeno em relação ao lucro anual da Petrobras, não se pode pedir tanto a uma empresa que também tem acionistas privados.
A Petrobras abriu mão da possibilidade de recorrer a tribunais internacionais sobre esses contratos, mas não em relação ao preço do gás, a ser negociado até 10 de novembro. Segundo o presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli, a empresa terá uma rentabilidade superior a 15% em suas operações com gás natural na Bolívia e continuará a garantir o abastecimento do mercado brasileiro de gás. A Repsol-YPF, que celebrou acordo semelhante, diz também acreditar que os novos contratos garantem a lucratividade de seus investimentos atuais e futuros no país.
O governo de La Paz, por sua vez, ampliará sua receita com hidrocarbonetos dos 140 milhões de dólares do tempo de Sánchez de Lozada para algo da ordem de 1 bilhão de dólares anuais (mais de 12% de seu PIB) a serem aplicados em programas sociais e de desenvolvimento. Ou mais, à medida que persuadir as petroleiras a investir em aumento da produção. A Argentina já garante demanda: assinou contrato para a compra de mais 20 milhões de metros cúbicos de gás por dia, além dos 7,7 milhões que já adquire. O ministro dos hidrocarbonetos estima uma receita de 67 bilhões de dólares em 20 anos, chegando a 4 bilhões de dólares por ano na próxima década. Se bem investidos, esses recursos não bastariam para fazer da Bolívia um país como a Suíça, como sonhou Evo ao falar do assunto, mas podem equipará-la social e economicamente com os vizinhos e torná-la um mercado atraente para empreiteiras, máquinas e bens de consumo brasileiros.
Com o Brasil ainda não há acordo nesse sentido, apesar de a YPFB dizer que a Petrobras teria prometido investir mais 1,5 bilhão de dólares ou seja, dobrar o investimento já feito. Por enquanto, o único compromisso da empresa brasileira é investir para manter o volume de importação de 30 milhões de metros cúbicos diários até 2036, mas a demanda provavelmente a levará a aumentar sua produção. O gás da Bacia de Santos não basta para atender ao crescimento de consumo que se espera. Importar de outros países por via marítima dificilmente seria compensador do ponto de vista do preço ou da segurança.
A questão do preço parece também caminhar para um acordo. A Petrobras queria manter os termos atuais do contrato, que levariam a um reajuste de aproximadamente 19% em relação aos pouco menos de 4 dólares por milhão de BTUs e a Bolívia parece ter recuado de sua pretensão de 7,50 dólares por milhão de BTUs para aceitar algo perto dos 5 dólares já negociados com a Argentina e que também correspondem ao preço oferecido pela Venezuela.
Resta a questão do empobrecimento do gás. O produto hoje fornecido pela Bolívia é constituído de 91,8% de metano, 1,4% de nitrogênio, 0,08% de dióxido de carbono e 6,7% de hidrocarbonetos mais pesados, principalmente etano (5,58%). A Bolívia quer retirar parte desse último componente para abastecer uma usina de polietileno a ser construída por uma parceria entre a YPFB e a venezuelana PDVSA a partir de novembro o que pode inviabilizar o projeto da Petrobras e Braskem (Grupo Odebrecht) de usar esse mesmo etano numa usina a ser construída na entrada do gasoduto no Brasil, em Corumbá (MS).
É pouco provável a Bolívia ceder nesse ponto. A usina representa uma potencial receita anual de 1,5 bilhão de dólares e a industrialização do gás, que a Bolívia até agora só exportou em bruto, foi uma das principais bandeiras do movimento social e político que levou Evo Morales ao poder. Mas a Bolívia deve aceitar compensar o Brasil no preço, já que a retirada do etano reduziria o poder calorífico do gás em cerca de 7% de 1.033 BTUs por pé cúbico para perto de 960.
O acordo deu um precioso combustível político a Evo Morales, acossado por manifestações à esquerda e à direita e embaraçado pela necessidade (imposta pela falta de recursos) de adiar a nacionalização da mineração para o próximo ano. Também é satisfatório para o Brasil, para a Argentina e para a Venezuela e ajuda a consolidar o desenvolvimento e a integração sul-americana. Não há por que pedir mudanças drásticas nessa estratégia que continua a ser bem-sucedida.
O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, está na outra ponta do espectro político sul-americano, mas concorda: Saudamos e felicitamos o povo do Brasil por essa sábia decisão. O presidente do Peru, Alan García, trocou acusações e insultos com Chávez durante sua campanha eleitoral, mas tem com ele um ponto em comum: Lula da Silva assegura a modernidade na região. Evo Morales, apesar dos atritos em torno da nacionalização do gás e das refinarias da Petrobras, foi o primeiro chefe de Estado a se manifestar: O triunfo do companheiro Lula ratifica a linha de mudança que se iniciou nos últimos anos e mostra mais uma vez que os povos seguem lutando por avanços para resolver os grandes problemas das maiorias marginalizadas do nosso continente.
O Departamento de Estado, em Washington, emitiu um comunicado mal-humorado, que citou escândalos recentes de corrupção e lembrou que o partido de esquerda de Lula não conseguiu ganhar a maioria. Já o presidente argentino deixou clara sua preferência desde junho: Não tenho nenhuma dúvida de que a integração se consolidará no segundo período de Lula, que irá muito bem nas eleições. Pelo menos assim esperamos a maioria dos argentinos.
Segundo o jornal argentino Clarín, os empresários argentinos respiraram aliviados. Para o concorrente Página/12, os aliados do Mercosul estão em festa. Segundo Fabián Calle, analista do Conselho Argentino para as Relações Internacionais, com Alckmin, não seria muito diferente, mas primeiro teria de ser convencido do projeto regional. Uma zona de livre-comércio com os EUA é materialmente inviável para a Argentina e o Brasil. Lula já está convencido.
Como mostra a convergência de gregos e troianos na América do Sul, não se trata apenas da satisfação de líderes de centro-esquerda com a derrota do candidato mais próximo do neoliberalismo, mas também confiança na continuação de uma política externa relativamente independente e de integração regional que cria oportunidades de desenvolvimento e melhora o poder de barganha de cada país ante as grandes potências.
Na opinião de alguns analistas brasileiros, todos eles estariam errados. Na edição de 25 de outubro, uma matéria no jornal Valor afirmou que Lula preparava uma inflexão na política externa. Seus jornalistas teriam ouvido de um ministro próximo de Lula que Samuel Pinheiro Guimarães e Marco Aurélio Garcia, articuladores da política externa do primeiro mandato, seriam despachados para exílios dourados em embaixadas na Argentina e na França. Segundo supostos interlocutores do presidente, o governo pretenderia voltar-se para os países ricos, especialmente os EUA, e falar mais duro com vizinhos como a Venezuela e a Bolívia. Haveria uma avaliação no governo de que a atual política teria levado o Brasil a perder todas as disputas por cargos importantes em órgãos multilaterais, azedar relações com vizinhos, distanciar-se dos ricos, criar alianças improdutivas com emergentes e isolar-se das principais negociações comerciais.
Ao site Carta Maior, Valter Pomar, secretário de Relações Internacionais do PT, qualificou a matéria de mentirosa e garantiu que a política de integração sul-americana será aprofundada. Kjeld Jacobsen, também dessa área do partido, acredita que o jornal fez uma matéria sobre a avaliação de pessoas ligadas ao Itamaraty que compartilham o ponto de vista do PSDB e do candidato derrotado, como o ex-embaixador nos EUA Rubens Barbosa.
Os fatos não respaldam uma avaliação da atuação do Itamaraty tão negativa quanto a do jornal. Nem todos os objetivos da política externa foram atingidos, mas não há como dizer que o país se isolou ante seu sucesso ao articular o G-20, que conseguiu inviabilizar na OMC o jogo de cartas marcadas a favor das grandes potências, ou se unir a vizinhos contra a imposição de uma Alca desastrosa aos interesses brasileiros e sul-americanos.
Os exportadores brasileiros ganharam espaço. De 2002 a 2006, o comércio global de mercadorias tem crescido 73% em termos nominais. As exportações brasileiras não se limitaram a acompanhar o crescimento da demanda externa: cresceram globalmente 131% e passaram de 0,97% para 1,36% do comércio global. Graças, principalmente, ao valor das exportações destinadas a países periféricos, que quase triplicou cresceu 197%.
De 2002 a 2006, no período janeiro-setembro, cresceram 257% as vendas para a China nesses quatro anos, 241% para a África, 222% para a América Latina. As vendas de manufaturados brasileiros na América Latina passaram de 26% para 36% das vendas externas da indústria brasileira. Relações improdutivas?
E os EUA, mesmo que quisessem, pouco teriam a oferecer ao Brasil durante o próximo mandato. Bush júnior está prestes a perder a maioria no Congresso para os democratas, defensores tradicionais do protecionismo. Em julho de 2007 vence a autorização à Casa Branca para fechar acordos comerciais sem interferência do Legislativo ou seja, o Trade Act de 2002, conhecido como fast track. Qualquer avanço substancial terá de esperar pelo próximo ocupante da Casa Branca e não aconteceria antes do fim do segundo mandato de Lula.
Seja como for, os primeiros passos da política externa brasileira nos dias seguintes não foram na direção anunciada pelo jornal. O Brasil continuou a apoiar a Venezuela na queda-de-braço com a Guatemala por uma vaga no Conselho de Segurança, até sair o acordo em torno do Panamá. Depois de uma semana tensa, durante a qual Evo Morales chegou a falar em ocupação militar das instalações de empresas que se recusassem a um acordo, fechou-se à zero hora do domingo, dia da eleição no Brasil um entendimento similar aos aceitos pelas outras nove petroleiras na Bolívia e que permitiu a ambas as partes se dizerem satisfeitas.
Em vez de uma taxa fixa de 82%, ficando o restante para cobrir despesas e remunerar investimentos, a Petrobras pagará 50% fixos, terá direito a uma parcela para cobrir despesas e remunerar investimentos e partilhará o lucro restante com a YPFB. São termos análogos aos vigentes em Angola, Nigéria e Líbia.
Segundo o ministro dos hidrocarbonetos, Carlos Villegas, a Bolívia ficará inicialmente com 50% da receita e a porcentagem vai aumentando para até 84% ao longo do contrato, numa média de 70%. As empresas ficarão com 30%. Fica pendente a desapropriação do controle das duas refinarias da estatal brasileira na Bolívia, adquiridas na privatização de 1999 por 102 milhões de dólares, cuja avaliação está para ser contratada pela YPFB. Evo sugeriu, de brincadeira, que o Brasil as presenteie à Bolívia, mas deve saber que, mesmo sendo um valor pequeno em relação ao lucro anual da Petrobras, não se pode pedir tanto a uma empresa que também tem acionistas privados.
A Petrobras abriu mão da possibilidade de recorrer a tribunais internacionais sobre esses contratos, mas não em relação ao preço do gás, a ser negociado até 10 de novembro. Segundo o presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli, a empresa terá uma rentabilidade superior a 15% em suas operações com gás natural na Bolívia e continuará a garantir o abastecimento do mercado brasileiro de gás. A Repsol-YPF, que celebrou acordo semelhante, diz também acreditar que os novos contratos garantem a lucratividade de seus investimentos atuais e futuros no país.
O governo de La Paz, por sua vez, ampliará sua receita com hidrocarbonetos dos 140 milhões de dólares do tempo de Sánchez de Lozada para algo da ordem de 1 bilhão de dólares anuais (mais de 12% de seu PIB) a serem aplicados em programas sociais e de desenvolvimento. Ou mais, à medida que persuadir as petroleiras a investir em aumento da produção. A Argentina já garante demanda: assinou contrato para a compra de mais 20 milhões de metros cúbicos de gás por dia, além dos 7,7 milhões que já adquire. O ministro dos hidrocarbonetos estima uma receita de 67 bilhões de dólares em 20 anos, chegando a 4 bilhões de dólares por ano na próxima década. Se bem investidos, esses recursos não bastariam para fazer da Bolívia um país como a Suíça, como sonhou Evo ao falar do assunto, mas podem equipará-la social e economicamente com os vizinhos e torná-la um mercado atraente para empreiteiras, máquinas e bens de consumo brasileiros.
Com o Brasil ainda não há acordo nesse sentido, apesar de a YPFB dizer que a Petrobras teria prometido investir mais 1,5 bilhão de dólares ou seja, dobrar o investimento já feito. Por enquanto, o único compromisso da empresa brasileira é investir para manter o volume de importação de 30 milhões de metros cúbicos diários até 2036, mas a demanda provavelmente a levará a aumentar sua produção. O gás da Bacia de Santos não basta para atender ao crescimento de consumo que se espera. Importar de outros países por via marítima dificilmente seria compensador do ponto de vista do preço ou da segurança.
A questão do preço parece também caminhar para um acordo. A Petrobras queria manter os termos atuais do contrato, que levariam a um reajuste de aproximadamente 19% em relação aos pouco menos de 4 dólares por milhão de BTUs e a Bolívia parece ter recuado de sua pretensão de 7,50 dólares por milhão de BTUs para aceitar algo perto dos 5 dólares já negociados com a Argentina e que também correspondem ao preço oferecido pela Venezuela.
Resta a questão do empobrecimento do gás. O produto hoje fornecido pela Bolívia é constituído de 91,8% de metano, 1,4% de nitrogênio, 0,08% de dióxido de carbono e 6,7% de hidrocarbonetos mais pesados, principalmente etano (5,58%). A Bolívia quer retirar parte desse último componente para abastecer uma usina de polietileno a ser construída por uma parceria entre a YPFB e a venezuelana PDVSA a partir de novembro o que pode inviabilizar o projeto da Petrobras e Braskem (Grupo Odebrecht) de usar esse mesmo etano numa usina a ser construída na entrada do gasoduto no Brasil, em Corumbá (MS).
É pouco provável a Bolívia ceder nesse ponto. A usina representa uma potencial receita anual de 1,5 bilhão de dólares e a industrialização do gás, que a Bolívia até agora só exportou em bruto, foi uma das principais bandeiras do movimento social e político que levou Evo Morales ao poder. Mas a Bolívia deve aceitar compensar o Brasil no preço, já que a retirada do etano reduziria o poder calorífico do gás em cerca de 7% de 1.033 BTUs por pé cúbico para perto de 960.
O acordo deu um precioso combustível político a Evo Morales, acossado por manifestações à esquerda e à direita e embaraçado pela necessidade (imposta pela falta de recursos) de adiar a nacionalização da mineração para o próximo ano. Também é satisfatório para o Brasil, para a Argentina e para a Venezuela e ajuda a consolidar o desenvolvimento e a integração sul-americana. Não há por que pedir mudanças drásticas nessa estratégia que continua a ser bem-sucedida.